Disputa por um lugar de verdade em discursos na websérie sociedade da virtude

Abstract

As produções culturais de super-heróis têm sido presença constante em mídias tradicionais com TV e cinema há décadas. Entretanto, nos últimos anos, esses enunciados passaram a ocupar um espaço privilegiado na Indústria Cultural, tornando-se tendência de mercado, especialmente com a crescente demanda por adaptações em serviços de streaming. Levando esse dado histórico em consideração é que escolhemos como corpus para uma análise discursiva foucaultiana as animações da websérie Sociedade da Virtude, disponível na plataforma de hospedagem e compartilhamento de vídeos Youtube. Para tal, adotamos a metodologia de arqueogenealogia de discursos, fundamentada nos estudos de Michel Foucault (1985; 1995; 2011; 2011a; 2012; 2014; 2014a; 2015; 2017), permitindo- nos uma "escavação" das formações enunciativas e suas imbricações com relações de poder e saber. Esta tese teve como objetivo principal realizar uma análise arquegenealógica dos discursos presentes nessas animações, com desdobramentos em quatro objetivos específicos: descrever a constituição do sujeito discursivo nas materialidades audiovisuais publicadas pelo canal; ilustrar os jogos de poder- saber nos quais esses discursos estão inscritos; analisar o regime de produção de verdades que sustenta tais discursos na contemporaneidade; e investigar o funcionamento do humor como elemento estruturante na emergência desses enunciados. Para a formação do corpus, descrevemos setenta e nove vídeos das duas primeiras temporadas da websérie. A partir dessa organização, categorizamos as produções em quatro discursos recorrentes: derrisório (deboche ao produto cultural super-heróis), conservador heteronormativo cis, de produtividade (disciplinarização dos corpos) e em confronto (entre discurso conservador, de empoderamento de minorias e politicamente correto). Na sequência, o critério de delimitação adotado foi a quantidade de visualizações dos vídeos, que possibilitou a constituição final do corpus em séries enunciativas. No primeiro capítulo, contextualizamos Sociedade da Virtude dentro da Indústria Cultural Global, conforme Duarte (2003), abordando a atividade do canal, a constituição das personagens e o impacto do YouTube na circulação dos enunciados humorísticos. Esse panorama dialoga com a Sociologia, Estudos Culturais e Discursivos, apoiando-se em Burgess e Green (2009), Feijó (1984) e Goulart (2014). No segundo capítulo, discutimos o conceito de humor com base em Eagleton (2020), Minois (2003) e Possenti (2014), enfatizando sua pertinência como prática discursiva. Além disso, descrevemos como os discursos politicamente correto e de empoderamento de minorias se manifestam nas produções humorísticas contemporâneas, recorrendo principalmente a estudos de Cabral (2015), Scabin (2016; 2023) e Possenti e Baronas (2006). Além disso, observamos que esses discursos configuram um campo de disputa, ilustrando os jogos de poder-saber que, segundo Rocha (2021), seguem uma tendência de guerra cultural. Desse modo, para compreender como esses discursos estruturam as identidades e as relações de poder na contemporaneidade, no terceiro capítulo, aprofundamos em uma descrição da constituição do sujeito discursivo em Sociedade da Virtude; articulamos as noções de poder-saber e regime de verdades com base nos estudos de Foucault (1985; 1995; 2011; 2014; 2017), Deleuze (2017) e Revel (2005). No quarto capítulo, realizamos a análise discursiva propriamente dita, identificando as séries enunciativas e suas condições de emergência e reprodução. Utilizando o método arqueogenealógico, descrevemos as relações de poder-saber que sustentam os discursos da websérie, possibilitando uma breve leitura do presente. Concluímos que Sociedade da Virtude utiliza o humor para ridicularizar discursos opostos, atribuindo maior legitimidade ao discurso conservador. Essa abordagem está alinhada a técnicas derrisórias que conferem um poder de verdade a esse dado discurso. Por fim, essa análise permite uma compreensão do modo como esses discursos conservador- religioso, de produtividade, heteronormativo cis e politicamente correto estão em disputa na contemporaneidade, empregando o humor como instrumento fundamental nessa luta por um lugar com status de verdade.